História do programa Jovem Guarda

No dia 22/08/1965 entrava no ar na TV Record, o programa Jovem Guarda, que faria história na TV brasileira. Hoje é comum dizer que artistas jovens dos anos 60 eram da “Jovem Guarda”. Isso é dito até sobre cantores que já tinham uma carreira antes do programa ir ao ar, ou mesmo sobre quem nunca se apresentou no programa.

A Jovem Guarda não nasceu da noite para o dia, o sucesso estrondoso do programa não aconteceria se não fosse a popularização do rock no Brasil entre os jovens, caminho que começou a ser trilhado quase dez anos antes do programa ir ao ar.

Apresentadores do programa: Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos.

Em outubro de 1955 o rock chegava ao Brasil. Na trilha sonora do filme “Semente de Violência” estava a música “Rock around the clock” e a cantora de samba canção Nora Ney fez a primeira gravação de rock do país, fazendo um cover da música cantando em inglês, mas com o título da música traduzido para “Ronda das Horas”. No final de 56 chegava ao Brasil o filme “Rock around the clock” também com o nome de “Ronda das horas”. O musical causou polêmica e difundiu o novo ritmo entre os jovens. Naquela época as gravadoras estrangeiras muitas vezes não tinha representação no Brasil, então a solução era regravar as músicas aqui. Covers e versões em português se tornariam muito frequentes nesses primeiros anos do rock no Brasil, com algumas exceções, como o primeiro rock em português gravado por Cauby Peixoto em 1957; a música “Rock em roll em Copacabana”, composta por Miguel Gustavo. No mesmo ano, Betinho e seu Conjunto gravam “Enrolando o rock”(Betinho/Heirto Carrillo) música marcante na história do rock brasileiro.

As primeiras gravações de rock no país eram feitas por cantores de outros gêneros que eventualmente gravavam rock, ou passavam a se dedicar ao novo gênero, um deles, Carlos Gonzaga, acabou aderindo ao chamado “rock balada” e lançou em 1958, a música que se tornaria o primeiro grande sucesso do rock no Brasil; “Diana”, versão de Fred Jorge para a música de Paul Anka.. No fim dos anos 50 vários jovens começavam a se dedicar ao ritmo e surgiram programas de rádio dedicados a chamada “música jovem”. Em março de 1959 Celly Campello lança a música “Estúpido cupido”, versão de Fred Jorge para “Stupid Cupid”(Neil Sekada/Howard Greenfiel). A música fez grande sucesso alçando Celly a condição de primeira estrela do rock nacional; consequentemente, ela e o irmão Tony Campello foram convidados a apresentar ainda em 59, o primeiro programa voltado para os jovens na TV Record, chamado “Programa para a juventude”. Mais tarde o nome mudaria para “Celly e Tony em Hi-Fi” e depois, “Crush em Hi-Fi”, devido ao patrocínio do refrigerante Crush. O programa foi exibido até 1962.

Há bem mais histórias e artistas que poderíamos detalhar nesses primeiros anos do rock no Brasil, como Sérgio Murilo. Ele e Celly Campello foram eleitos Rei e Rainha do rock em 61, pela “Revista do Rock”, em votação feita pelos seus leitores. Também merece destaque os artistas da gravadora paulista “Young”, Baby Santiago e muitos outros, mas isso fica para outras postagens.

Revista do Rock 1961

Ié-ié-ié

No começo dos anos 60, o país já tinha vários cantores e bandas de rock, ou conjuntos, como eram chamados na época. Após anos seguindo os passos dos pioneiros do rock americano e também por cantores pop do fim dos anos 50 e começo dos anos 60, o rock nacional, também foi influenciado pela beatlemania. Dos refrões de She loves you – “Yeah-Yeah-Yeah” vem a denominação “ié-ié-ié”, e todos os cantores de música jovem passaram a ser chamados de cantores de “iê-iê-iê”. Erasmo Carlos declarou em uma entrevista: “O movimento em si não era Jovem Guarda, a imprensa no futuro é que apelidou de Jovem Guarda, o movimento chamava-se iê-iê-iê”(documentário: Jovem aos 50, 2017).
Nessa época, as versões continuavam sendo muito frequentes, mas também era cada vez mais comum músicas autorais de sucesso como: Rua Augusta, Parei na contramão (primeira parceria de Roberto e Erasmo), É proibido fumar e Festa de arromba.

Disco “A Hard Day’s Night”, no Brasil lançado como “Reis do Ié-ié-ié”

O programa

Em 1965 a Tv Record teve um problema para resolver, a emissora foi impedida de transmitir os jogos de futebol do campeonato paulista aos domingos, os clubes alegavam que as transmissões diminuíra a presença do público nos estádios. Com um buraco na programação, eles decidiram criar um programa de música jovem para ocupar o espaço vago, anteriormente a emissora já tinha levado ao ar os programas Celly e Tony em Hi-Fi e Reino da Juventude(com Antônio Aguillar).

Roberto, Erasmo e Wanderléa não eram as primeiras opções para apresentar o programa. Primeiro pensaram em um casal, e Celly Campello foi o primeiro nome escolhido. Mesmo tendo abandonado a carreira após se casar em 1962, a cantora continuava sendo popular; porém, ela não aceitou o convite para retomar a carreira artística. Outros nomes que fariam par com ela acabaram sendo descartados. O primeiro deles, Sérgio Murilo, que havia feito muito sucesso no fim dos anos 50 e começo dos anos 60 com as músicas Marcianita e Broto Legal. Também foram cogitados os nomes de Ronnie Cord (do sucesso “Rua Augusta”) e de Demétrius (do sucesso “Ritmo da chuva”).

Após vários serem cogitados, chegaram ao nome de Erasmo Carlos. Na época Erasmo estava estourando nas rádios com a música “Festa de arromba”. Ele foi chamado para conversar com a emissora e indicou para também apresentar o programa, o amigo Roberto Carlos.

Depois de uma incursão mal sucedida pela bossa-nova, Roberto Carlos fez sucesso no Rio com Malena e Splish splash, e a partir de 1964 fez sucesso nacionalmente, emplacando um sucesso atrás do outro, como: Parei na contramão, O calhambeque, É proibido fumar e História de um homem mal.

Após um teste para ver como ele iria se sair no vídeo, a Record definiu que Roberto seria o principal apresentador, ao lado de Erasmo e uma cantora. A escolha ficou entre Rosemary e Wanderléa. As duas foram bem nos testes de vídeo e há quem diga que o fato de Wanderléa foi escolhida por ter músicas mais agitadas que Rosemary, mas é provável que a amizade que ela tinha com Roberto Carlos tenha pesado na decisão, os dois eram da mesma gravadora; a CBS.

“Jovem Guarda”

O publicitário Carlito Maia, sócio da agência de publicidade Magaldi, Maia & Prosperi foi contratado para conseguir patrocinadores para o programa que a princípio se chamaria, “Festa de arromba”. Ele não gostou do nome do programa e sugeriu o nome “Jovem Guarda”, que de início não agradou muito o diretor da emissora, Paulinho Machado de Carvalho.

Há, pelo menos, três versões para a origem do nome Jovem Guarda. Uma é que a velha guarda representava os cantores dos anos 40 e 50, e a nova geração, seria a jovem guarda. Uma segunda versão diz que o nome veio de uma coluna social do jornalista Ricardo Amaral, chamada “Jovem Guarda”, que focava na vida dos jovens da elite paulistana. Por fim, Carlito Maia, anos depois do fim do programa disse que tinha retirado de uma frase de Friedrich Engels, citada por Lenin em um discurso. No documentário “Close-up no rock brasileiro”(1996) é narrada a seguinte fala de Carlito Maia:

Paulinho de Carvalho nos mostrou um vídeo de um cantor que era do Rio. Ele disse: ‘Será o futuro apresentador do festa de arromba!’. O cara era sensacional, mas o nome do programa, horrível. No outro dia veio a ideia, de uma frase de Lenin: ‘O futuro do socialismo repousa nos ombros da Jovem Guarda’.

Em entrevista ao historiador Paulo César de Araújo, Paulinho de Carvalho negou essa versão, mas seja como for, o nome foi aceito e faltava agora a busca por patrocinadores, e então, nenhuma empresa na época se interessou em patrocinar o programa, o que chegou a colocá-lo em risco. Roberto, Erasmo e Wanderléa eram conhecidos pelo público jovem, mas não por empresários adultos, e ninguém arriscou investir naquele programa.

Sendo assim, a própria agência de publicidade resolveu bancar o programa explorando produtos que seriam lançados com a marca “Calhambeque”.

Estreia

No dia 22 de agosto de 1965, as 16:30 o programa era transmitido pela primeira vez. Além dos três apresentadores, estiveram na estreia: Rosemay, Tony Campello, Ronnie Cord, The Jet Blacks, The Rebels, e Regina Célia(também conhecida como Regiane) . Ainda não existia transmissão ao vivo para todo o país, o programa era transmitido ao vivo em São Paulo e depois distribuído por videotape para as outras cidades, até o final de 65 o programa chegava em outras capitais como: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre. Mais tarde o programa teve uma versão também transmitida ao vivo no Rio de Janeiro, chamado Rio Jovem Guarda.

A popularidade do programa foi aumentando a cada semana e se tornou um fenômeno de audiência. A rua da consolação todas as tardes de domingo era tomada por fãs que mesmo sem ingresso para entrar no teatro se aglomeravam na rua, reproduzindo cenas parecidas com a da beatlemania. Para sair do teatro, Roberto Carlos chegou a ter ajuda de um sósia que saía de carro antes dele para despistar as fãs. “A rua da Consolação fechava, porque as meninas que não conseguiam entrar no teatro Record, no auditório, fechavam a rua”, lembra o cantor Demétrius (documentário: Jovem aos 50, 2017)

O auge do programa foi do início de 1966 até meados de 1967. Não é possível relacionar todos os que passaram pelo programa, mas além dos já citados, podemos relacionar alguns: Ary Sanches, Bobby de Carlo, Cleide Alves, Demétrius, Deny e Dino, Ed Carlos, Ed Wilson, George Freedman, Golden Boys ,Leno e Lilian, Martinha, Meire Pavão, Nilton César, Os Vip, Prini Lorez, Renato e seus Blue Caps, Sérgio Reis, The Beverlys, The Fevers, The Jordans, Trio Esperança, Wanderley Cardoso, Waldirene. O programa impulsionava a venda dos discos dos artistas que se apresentavam lá e também movimentava todo um mercado de produtos voltado para o público jovem como roupas, itens colecionáveis como bonecos, chaveiros, lancheiras e até um refrigerante. A maneira de apresentar o programa falando gírias, era algo inédito na TV até então, e ajudada a propagar as gírias entre os jovens.

Estar na vitrine do Jovem Guarda nem sempre era fácil, alguns artistas de São Paulo reclamavam que tinham pouco espaço e também os artistas que fizeram sucesso no período pré-jovem não eram chamados com frequencia.

Alguns foram se apresentar em outros programas concorrentes que surgiram, dentre eles, Excelsior a Go Go” com Jerry Adriani e “O Bom” com Eduardo Araújo na TV Excelsior. A própria TV Record tinha outro programa que ia ao ar aos sábados, “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”.

Fim

Roberto Carlos já procurava outros ares para sua carreira e deixou o programa se apresentando pela última vez no dia 17 de janeiro de 1968. O programa continuou no ar com Erasmo Carlos e Wanderléa. A Record ainda tentou salvar o programa promovendo algumas mudanças, mas a audiência continuou em queda até junho de 1968, o programa ia ao ar pela última vez. Nesta época o programa era feito no teatro Paramount na avenida Brigadeiro, desde que um incêndio em 1967 destruiu o teatro Record. Os apresentadores só foram avisados no dia do último programa, mas, na prática, eles sabiam que cedo ou tarde isso aconteceria.

No livro “Histórias da Jovem Guarda” Wanderléa lembra:

“Chorei muito o Eramos chorou muito. Nós já sabíamos que o programa estava na UTI e que, a qualquer momento viria a ordem para desligar os aparelhos. Mas, no íntimo, a gente esperava um milagre” (Histórias da Jovem Guarda, p. 191)

A Jovem Guarda era criticada por cantores da MPB por não se manifestar contra a ditadura militar, mas é importante lembrar que desde o início do rock as letras falavam de romances, carrões, festas e também rebeldia, mas rebeldia no comportamento e não na política, e assim eram as coisas que a juventude queria ouvir na época e assim continuaram sendo as letras na época da jovem guarda.

Diferente por exemplo, da tropicália, que já nasceu em um ambiente politizado. Caetano Veloso declarou:

“Eles(Jovem Guarda) eram garotos ingênuos, despretensiosos intelectualmente e nós vimos justamente de uma área que se cultivava consciência política, consciência social, consciência filosófica e que fazia canções pretensiosas [..] nosso ambiente era assim”(documentário: Jovem aos 50, 2017)

Com o ambiente cada vez mais conturbado no país, naturalmente aumentou o interesse dos jovens por músicas de protestos e também foi um dos motivos do esgotamento da Jovem Guarda. “O clima político do país estava muito conturbado. As músicas de protesto ganhavam força entre os jovens” (Livro: Histórias da Jovem Guarda, p. 191)

Mais tarde, a Jovem Guarda começaria a ser chamada pela imprensa de movimento Jovem Guarda, embora nem os próprios integrantes enxergavam dessa maneira na época, até porque não existia um manifesto ou algo assim. Movimento ou não, o sucesso do programa marcou aquela geração, escreveu um capítulo da música brasileira e influenciou diversos artistas, tendo participação inclusive no surgimento da tropicália. No documentário “Jovem aos 50” de 2017, Caetano Veloso conta que a ideia de se apresentar no festival da canção da Record em 1967, utilizando guitarras, veios de observações da Jovem Guarda e dos Beatles, lembrando que até então a guitarra elétrica não era aceita pela MPB.

Adriana Calcanhotto, Barão Vermelho, Blitz, Engenheiros do Hawaii, Léo Jaime, Lulu Santos e Rita Lee estão entre alguns dos muitos artistas que regravaram músicas da Jovem Guarda, apresentando para outras gerações, músicas de uma época que sempre será lembrada.

Fontes:

Livros:
Roberto Carlos Em Detalhes – Paulo Cesar Araujo
Histórias da Jovem Guarda – Antônio Aguillar, Débora Aguillar e Paulo Cesar Ribeiro
Jovem Guarda em ritmo de aventura – Marcelo Fróes
Documentários:
Close-up no rock brasileiro
Jovem aos 50 – Sérgio Baldassarini Júnior